“Quando apertar a carteira, encontraremos, no mercado das carnes, outras proteínas animais mais em conta. E não custa lembrar que outras culturas não têm o hábito de colocar carne na mesa todos os dias”
Francisco Vila
Ninguém duvida de que a carne bovina faz parte do sonho de consumo da população brasileira. Falo de sonho, pois o que era realidade em 2013 (consumo per capita de 33,4 kg) encolheu ao longo da última década para 24,6 kg, inclusive devido ao aumento de 25% do preço nos últimos 12 meses. Somente os argentinos (36,9 kg) e os americanos (26,1 kg) compram mais desse produto maravilhoso. Considerando que, na Europa, com uma renda per capita bem acima da nossa, o cidadão come apenas em torno de 15 kg, fica evidente que, além da renda e do preço, existe uma série de outros motivos para determinar a preferência dessa carne no cardápio das populações.
Assim, convém analisar o porquê dessa redução no mercado nacional, bem como o provável cenário para a próxima década. Alimentos, educação, aluguel e saúde são despesas fixas da maioria da população. Somente quando a renda mensal ultrapassa a soma desses gastos, outras compras como roupas, equipamentos ou viagens entram no radar de decisão. Todavia, dentro dessa classificação geral, alguns fatores pulam de uma categoria para outra como, por exemplo, no caso dos tênis e das roupas de esporte que se tornaram quase um produto necessário, ou, em nosso caso, vinho, frutas exóticas e carne bovina de alta qualidade quando temos convidados para o jantar.
Casas de carne especializadas relatam que o churrasco para o final da semana costuma ser comprado pelo marido, enquanto a dona da casa adquire a carne da semana no supermercado. Isso já indica que a carne bovina consta na rubrica de produtos de luxo. Como nos outros casos, só se gasta com essa mercadoria quando há folga no caixa do mês. Na economia, isso se chama “elasticidade de preço de um produto”.
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Quando apertar a carteira, encontraremos, no mercado das carnes, outras proteínas animais mais em conta. E não custa lembrar que outras culturas, até com um nível mais alto de renda, não têm o hábito de colocar carne na mesa todos os dias da semana. Diante disso, devemos avaliar o potencial da carne bovina em diversos contextos. Primeiro, na comparação com outras carnes, a seguir seu custo no total no orçamento alimentar multiplicado pelo preço e, finalmente, observando a estrutura do perfil nutricional das diversas classes de consumidores.
Resumindo, podemos ver o seguinte: no Brasil, não falta vontade de comer carne bovina. Se o consumo per capita caiu na última década, houve um problema de poder de compra da classe média. Juntando todos os estudos sobre o potencial de crescimento da economia mundial nos próximos tempos, enfrentaremos um cenário menos expansivo do que a série histórica ao longo das últimas décadas.
Ou seja, mesmo que os consumidores ganhem mais, o cenário geral, bem como a persistência da inflação estrutural, sugere que a maioria não expandirá seu consumo de carne devido à elasticidade de preços. Chegamos, assim, ao ponto central da reflexão estratégica para nosso setor. Demanda física existe; a vontade de comprar carne bovina cresce entre 2% e 3 % ao ano.
Se essa tendência pode se transformar em compras concretas, depende, principalmente, do preço do produto. Portanto, o pecuarista – e com ele todos os elos da cadeia produtiva antes e depois da porteira – deve desenvolver uma estratégia compartilhada que foque na redução do custo da produção. Enquanto o setor opera com 1,2 animais/ha ou uma produção média de 4 a 5@/ha/ano, fica claro que o custo unitário do quilo de carne pode ser reduzido.
Temos de repensar a cadeia da carne como um todo, pois, na fazenda, temos apenas uma geração de valor em torno de 25% do preço da gôndola. Isso significa que o esforço de manter o produto num preço acessível passa pela redução dos custos desde o sêmen até a distribuição. Tecnologias para aumentar a produtividade existem. Falta apenas uma plataforma de articulação entre os elos da cadeia da carne.










