A formação de estoques recordes de soja na China vem alterando de forma significativa o fluxo global do grão, ampliando incertezas e pressionando mercados estratégicos como o dos Estados Unidos. Com armazéns cheios, margens negativas no esmagamento e ritmo de consumo mais lento, Pequim reduz o apetite por novas compras, ao mesmo tempo em que reforça sua posição dominante na formação de preços internacionais.
Nos portos chineses, os estoques alcançaram 10,3 milhões de toneladas, enquanto os esmagadores mantêm outras 7,5 milhões de toneladas armazenadas, o maior nível em anos. Há ainda estimativas de que as empresas estatais controlem algo entre 40 e 45 milhões de toneladas, volume que dá à China capacidade de segurar importações por longos períodos sem comprometer seu abastecimento interno.
O acúmulo elevado coincide com um cenário operacional desfavorável. As margens de esmagamento permanecem negativas, com perdas estimadas em cerca de 190 iuanes por tonelada de soja processada, o que desestimula novas compras pelos esmagadores chineses. Ao mesmo tempo, o mercado local convive com excesso de farelo, pressionando preços e reduzindo a necessidade imediata de processamento.
Esse ambiente tem impacto direto nas exportações dos Estados Unidos, que enfrentam retração na demanda chinesa. Em alguns períodos recentes, a China não importou volumes significativos ou até não comprou soja dos EUA, algo incomum na relação comercial entre os dois países. Para os produtores norte-americanos, o excesso de produto estocado em Pequim representa risco de perda de mercado e pressão adicional sobre os preços internos.
No caso do Brasil, embora o país siga consolidado como principal fornecedor de soja à China, os estoques elevados em Pequim também impõem desafios. Como a China absorve grande maioria das exportações brasileiras, qualquer redução temporária no ritmo de compras tende a afetar diretamente a formação de preços internos e o planejamento das tradings. A predominância brasileira continua firme, mas o momento exige atenção: mesmo com vantagem competitiva, o Brasil pode sentir os efeitos de um mercado momentaneamente mais abastecido e menos agressivo na aquisição de novos lotes.
Enquanto isso, o Brasil consolida sua posição como principal fornecedor de soja à China, ampliando a relevância da parceria comercial. A predominância brasileira é reforçada pelas vantagens competitivas do grão nacional e pelo estreitamento das relações comerciais entre os dois países. O movimento também evidencia a substituição gradual da soja americana pela brasileira no abastecimento chinês.
Segundo a Anec, cerca de 80% das exportações brasileiras de soja têm como destino a China, índice que ressalta tanto a força do mercado chinês quanto a dependência das tradings brasileiras em relação ao país asiático. Para o Brasil, esse cenário significa ganho de participação e manutenção de elevada demanda, mesmo diante da desaceleração momentânea imposta pelos altos estoques chineses.
A construção de grandes reservas está alinhada à estratégia de segurança alimentar de Pequim. O governo chinês tem ampliado investimentos em estoque público e na produção doméstica de grãos, com metas mais agressivas para reduzir a vulnerabilidade externa em períodos de tensão geopolítica ou de alta volatilidade de preços internacionais.
No curto prazo, o mercado global continuará atento à velocidade com que a China irá consumir ou liberar esses estoques. Grandes volumes retidos podem influenciar diretamente a formação de preços e o ritmo de exportações de grandes players, especialmente Brasil e Estados Unidos. A forma como Pequim irá manejar essas reservas será decisiva para o comportamento do mercado ao longo das próximas safras.










