Na província de Buenos Aires, tradicional polo agrícola e pecuário da Argentina, as chuvas intensas e prolongadas culminaram em um alagamento de dimensões históricas. Estima-se que entre 4,5 e 5 milhões de hectares estejam sob água ou seriamente comprometidos, o equivalente a quase metade da área produtiva de muitas fazendas. O impacto se estende do sulco da semente à cadeia de abastecimento, com prejuízos estimados em US$2,4 bilhões, segundo levantamento recente.
Desde à metade de 2025, a região central e oeste da província de Buenos Aires tem enfrentado volumes de chuva muito acima da média histórica, o que saturou os solos, transbordou rios, deixou estradas rurais intransitáveis e praticamente paralisou atividades agrícolas e pecuárias. Em algumas localidades, foram registrados mais de 1.700 mm durante o período, muito acima da média anual. Entidades do setor apontam que a área produtiva substancialmente comprometida já atinge 4,3 milhões de hectares, segundo a Bolsa de Cereales de Buenos Aires, sendo que cerca de 900 mil hectares estão completamente alagados. Outros levantamentos indicam “quase 5 milhões de hectares” sob água ou isolados. O setor calcula perdas de aproximadamente US$2,4 bilhões, somando danos diretos e margens brutas comprometidas.
As culturas de soja, milho e trigo, além da pecuária de corte e leiteira, estão entre as mais impactadas, tanto por campos inundados quanto por acessos bloqueados, solos impróprios para o uso de máquinas e dificuldade de escoamento. Regiões como Nueve de Julio, Carlos Casares, Pehuajó, Olavarría e Los Toldos aparecem como as mais afetadas. Em Nueve de Julio, de cerca de 429 mil hectares totais, aproximadamente 205 mil estão alagados, com boa parte destinada à pecuária e à lavoura. A falta de drenagem eficiente, a saturação prolongada e a infraestrutura rodoviária rural destruída agravam o quadro e dificultam a recuperação.
As lavouras de soja e milho sofrem com a inviabilidade de colheita e a impossibilidade de trânsito de máquinas, o que eleva custos e reduz a qualidade dos grãos. O solo encharcado também aumenta o risco de doenças e perdas de produtividade. Na pecuária, o cenário é igualmente grave: rebanhos estão isolados, pastagens deterioradas e propriedades enfrentam dificuldade para o transporte de animais e insumos. Estradas destruídas ou intransitáveis impedem o escoamento da produção, impactando cooperativas, frigoríficos e exportadores.
O prejuízo econômico vai além do campo. Com a província de Buenos Aires respondendo por uma fatia expressiva da produção de carne bovina e grãos da Argentina, os reflexos chegam ao mercado nacional e internacional. O bloqueio de caminhões, o atraso na entrega de insumos e a perda de infraestrutura de armazenagem configuram um efeito dominó que preocupa todo o setor.
Do ponto de vista climático, os especialistas apontam que a combinação de precipitações muito acima da média, solos já saturados e falhas históricas na infraestrutura de drenagem explicam a dimensão da tragédia. A concentração de atividades agropecuárias em áreas de alta vulnerabilidade, como a bacia do rio Salado, tornou os efeitos ainda mais severos. Em um cenário de mudanças climáticas e eventos meteorológicos extremos cada vez mais frequentes, o episódio é visto como um alerta para o setor rural da América do Sul.
O governo argentino anunciou medidas emergenciais para enfrentar a crise, incluindo recursos de emergência e possíveis linhas de crédito para produtores. Entidades rurais, como a CARBAP (Confederación de Asociaciones Rurales de Buenos Aires y La Pampa), pressionam pela declaração de emergência agropecuária, prorrogação de prazos de dívidas e obras estruturais de drenagem.
Para o leitor brasileiro e para o agronegócio nacional, a situação traz lições valiosas. A Argentina é um dos maiores produtores globais de soja, milho e carne, e qualquer perturbação em sua produção afeta os mercados internacionais. As enchentes reforçam a necessidade de políticas preventivas, investimento em drenagem, planejamento climático e adoção de seguros agrícolas. O episódio em Buenos Aires mostra que a resiliência no campo depende tanto da gestão produtiva quanto da capacidade de adaptação frente a um clima cada vez mais instável.










