Por Guilherme Cunha Malafaia, pesquisador e coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina – CiCarne da Embrapa Gado de Corte (guilherme.malafaia@embrapa.br)

O ano de 2021 foi inflexão da expansão descontrolada da Covid-19, com o início da vacinação em massa das populações ao redor do globo. Pode ser, também, o marco inicial da recuperação do setor de proteínas animais, afetado pelas crises das pandemias da PSA (Peste Suína Africana) e da Covid-19, atuando de forma concomitante, contínua e altamente letal.
Uma série de eventos econômicos e sociais, ocorridos em 2020 e ao longo de 2021, como resultado da explosão global da pandemia e de suas novas variantes alteraram, progressivamente, as retóricas internas e externas de muitos países em uma direção mais protecionista e nacionalista. A segurança alimentar passou a ser, mais do que nunca, motivo de preocupação para todos os países, indistintamente.
Crise
A crise econômica que os países enfrentam, devido aos efeitos deletérios da Covid-19, principalmente, ameaça as finanças públicas e a capacidade de mitigar os impactos nos sistemas alimentares. Pressões econômicas, prioridades de ações concorrentes e recursos humanos sobrecarregados podem durar um tempo considerável, inclusive pós-pandemia. Ao se agregar esses impactos, observa-se que os reflexos vão muito além do contágio, ocasionando a fragmentação desses sistemas. Os efeitos indiretos sobre dietas, nutrição e saúde são fontes de grande preocupação, principalmente aos consumidores de baixa renda, às populações mais idosas e aos nutricionalmente vulneráveis.
À medida que o surto da Covid-19 se expandiu e os governos implementaram medidas mais rigorosas para conter a disseminação do vírus, ampliaram os riscos de interrupções na cadeia global de suprimentos alimentares. O aumento da conscientização sobre a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento de alimentos provavelmente incentivará os países a atentarem à segurança alimentar, um tema que tem estado em segundo plano nos últimos anos em meio à ampla oferta global e aos baixos preços dos alimentos.
Muito embora existam argumentos de que a produção global de alimentos será capaz de alimentar a população de 9,8 bilhões de pessoas, estimada para 2050, estes não são sólidos e sustentáveis, haja vista o choque ocorrido nas cadeias globais de alimentos devido aos efeitos da pandemia. Apesar de atualmente se produzir alimentos em quantidade suficiente para todos, o número de pessoas famintas e subnutridas em todo o mundo revela que a abordagem é inadequada.
Tendências
Sendo assim, duas principais tendências para o setor alimentar podem ser consideradas pós-pandemia de Covid-19:
1. O empobrecimento da população global, prejudicando segmentos premium e beneficiando produtos mais baratos, embora haja maior preocupação com a qualidade e a sanidade;
2. O medo do desabastecimento, o que leva à maior preocupação com a “soberania alimentar”, à redução das exportações, ao aumento de estoques e à valorização de parceiros tradicionais.
Essas duas tendências são tensões em direções opostas, pois o livre-comércio favorece a diversidade e o menor custo na alimentação, por alocação eficiente de recursos globais. A resolução dessa tensão se dará por meio de um comércio internacional ainda mais “administrado”, em que governos ajustarão tarifas e barreiras, caso a caso, entre o temor do desabastecimento e a conveniência da produção nacional.
A pandemia poderá ser utilizada como pretexto junto à opinião pública para justificar padrões técnicos e sanitários mais rigorosos, exigências de certificação e rastreabilidade, embora tenha desviado momentaneamente a atenção de outras doenças animais e vegetais que prevalecem em regiões produtoras importantes (como a Peste Suína Africana e a Influenza Aviária).
*Milhões de toneladas
Fonte: Fitch Solutions
Consumo de carne bovina
No que se refere ao setor de carne bovina, estima-se que o seu consumo crescerá acelerado de 2021 a 2025 em relação aos últimos dez anos, por causa da recuperação do surto de PSA na Ásia e da pandemia global de Covid-19. O consumo de carne bovina per capita cresceu mais lentamente nos anos anteriores à Covid-19, e se recuperará ao longo de 2021/2022 antes de estagnar até 2025. O consumo de carne suína e de aves per capita vai crescer intensamente e superar em muito a carne bovina, com as aves continuando a ser a carne mais consumida globalmente, conforme detalhamos abaixo:
● Os obstáculos ao consumo de carne bovina seguem crescendo em mercados desenvolvidos, com uma tendência do consumo nesses países, com a notável exceção da Coreia do Sul.
● Nos mercados emergentes, o crescimento do consumo de carne bovina per capita será impulsionado pelo Sudeste Asiático e pela China, com novos picos nos próximos anos. Embora a China continue sendo o mercado de maior demanda, os consumidores reajustarão seus hábitos à medida que a oferta de carne suína for se recuperando do surto de PSA, o que reduzirá um pouco o crescimento do consumo de carne bovina nos próximos anos.
● Embora deva ocorrer algum crescimento no consumo de carne bovina per capita na África Subsaariana, o crescimento será fraco em comparação com a Ásia, e os níveis de consumo permanecerão muito baixos na maioria dos países em relação à média global até 2025, por causa da recuperação mais lenta da Covid-19 em alguns desses países, bem como aos crescentes déficits de oferta de carne bovina.
● A América Latina experimentará um grande crescimento no consumo de carne bovina per capita no curto prazo, impulsionado pela melhoria das condições econômicas, mas o crescimento do consumo desacelerará até 2025 e não retornará aos níveis de picos anteriores.
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