As interferências do fenômeno La Niña na safra 2021/22 no Rio Grande do Sul provocaram uma das piores estiagens da história. São mais de 420 municípios em situação de emergência decretada (Defesa Civil RS), ou seja, mais de 80% das cidades do estado.
Situações extremas, especialmente as presenciadas nas últimas duas safras na região Sul do Brasil, evidenciam um apelo por alternativas milagrosas e instantâneas. Entretanto, as estratégias de mitigação do déficit hídrico devem ser desenvolvidas a longo prazo, salienta o professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), doutor em Agronomia Mateus Possebon Bortoluzzi.
Previsibilidade
Cenários de estiagens são cíclicos e previsíveis. “Se voltarmos um pouco na história, é possível identificar outros eventos semelhantes como os que ocorreram nas safras 1942/43, 1944/45 e 2004/05. Nessa última, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produtividade média de grãos de milho e soja no RS foi de apenas 1.269 kg/ha e 698 kg/ha, respectivamente”, aponta o especialista.
Mas se o La Niña é previsível, o que pode ser feito para mitigar o déficit hídrico? “É preciso buscar a construção de um sistema de produção rentável e sustentável. Entender a propriedade e as áreas como um sistema interligado é o primeiro passo para alcançar esse objetivo”, sustenta Bortoluzzi.
Recomendações
O professor recomenda o esforço para melhoria da infiltração e retenção de água no solo. Nesse sentido, a implantação de um sistema de rotação de culturas eficiente, com cobertura durante todo o ano, favorece o perfil de solo.
“A ausência de limitações químicas, físicas e biológicas para o crescimento de raízes permite a retirada de água de camadas mais profundas do solo. A cobertura vegetal constante reduz as perdas de água por evaporação e gera um grande aporte de matéria orgânica, melhorando a porosidade e a estrutura do solo. Com isso, há um aumento da infiltração e da retenção de água, a qual poderá ser utilizada posteriormente pelas plantas na ausência de chuvas.”
Outro aspecto importante é evitar a coincidência das fases da cultura mais sensíveis ao déficit hídrico com o período em que historicamente falta mais chuva. “A correta escolha dos genótipos e da época de semeadura, priorizando o escalonamento de datas, auxilia na diluição do risco”, afirma Bortoluzzi.
Armazenamento
Considerando que o Rio Grande do Sul apresenta um regime pluviométrico do tipo isoígro, ou seja, as chuvas são bem distribuídas ao longo do ano, há um enorme potencial para o armazenamento de água visando a sua utilização em momentos de estiagem, o que pode ser feito por meio da construção de barragens. “Assim, políticas públicas constantes (e não criadas depois que o problema já ocorreu) devem estar voltadas para possibilitar e incentivar não apenas a captação de água nas propriedades, mas também os processos de elevação, condução e distribuição da água, por meio de sistemas de irrigação”, ressalta.
O professor destaca ainda que cabe ao produtor fazer investimentos assertivos em momentos favoráveis, melhorando o solo e a estrutura da sua propriedade, tornando-a mais resiliente para contornar problemas em cenários adversos, incluindo os relacionados à falta de água. Além disso, os produtores devem estar sempre em busca de atualização e conhecimento. “É preciso incentivar os produtores e técnicos a estarem sempre bem atualizados, buscando agregar conhecimento, o principal insumo para o sucesso no campo”, completa.